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18 de Abril de 2024

Fico pensando em leis enquanto limpo privadas': a advogada que virou faxineira em São Paulo

Rosana da Silva se formou em direito em 1995 e trabalhou como advogada, mas nunca conseguiu retomar carreira depois de sair de escritório que processou por assédio moral; hoje, segura placa nas ruas oferecendo faxina.

há 6 anos

Todos os dias, a advogada Rosana da Silva, de 54 anos, senta-se em um banquinho de plástico em um cruzamento da zona sul de São Paulo e levanta uma placa de papelão com um anúncio: "Faxina. Sete horas. R$ 60."

Há quem pare e olhe, curioso. Há quem tire fotos e publique nas redes sociais ou anote o número dela para um serviço futuro.

Mas a trajetória de Rosana é mais complexa do que o pedido público de emprego: ela era secretária, ralou para pagar a faculdade de Direito e formou-se advogada, mas entrou em uma derrocada que a levou às ruas e à faxina.

"Quando conto minha história às pessoas que me contratam, a frase que mais ouço é 'não acredito'", diz ela, sentada na esquina. "Ou acham que sou doida, e não existe nada pior do que ser considerada doida", acrescenta.

Os primeiros passos como advogada foi em um pequeno escritório que montou com amigos da faculdade. Depois, conseguiu entrar em uma banca de colegas renomados da área de Direito bancário, no centro da cidade.

Rosana conta que foi esse trabalho fez girar a espiral que a levou ao fracasso profissional.

"Nesse escritório, eu sofri assédio moral por parte dos dois donos. Me humilhavam: imagina você ser chamada de burra o tempo todo, de incompetente, de drogada. Foram três anos", afirma. Ela diz que nunca usou entorpecentes.

Rosana prefere que os nomes dos dois advogados não sejam citados nesta reportagem. Diz que processou os antigos patrões e que fez representações contra eles na comissão de ética da OAB-SP, mas nunca conseguiu vencer os processos.

Ela costuma carregar a papelada de algumas ações em sua mochila - tem medo de que eles desapareçam.

Procurada pela reportagem, a OAB-SP afirmou que não comenta casos que correm em sigilo.

'Todas as portas fechadas'

Rosana nasceu em Itanhaém, no litoral paulista, mas foi criada por parentes, longe dos pais. Sempre viveu praticamente sozinha e só retomou contato com um dos irmãos depois que ele viu uma foto sua na internet, há pouco mais de um ano.

Ela nunca mais conseguiu um trabalho como advogada depois que saiu de seu último escritório. Acredita que foi perseguida pela OAB, onde seus patrões tinham influência, diz. A instituição não comenta o caso.

Nada que Rosana fazia dava certo - tentou dar aulas, mas também foi demitida. "Em São Paulo, o mundo do Direito é muito pequeno. Você fica conhecida como a pessoa que processou os patrões, suas chances diminuem", conta.

Ela resolveu se mudar para Florianópolis, pois não encontrou emprego nem apoio em sua família adotiva. "Pensei: será que não estou tornando um problema pequeno em algo muito grande?", conta a advogada, que chegou a passar em psicólogos para entender porque sua carreira não deslanchava. "Achei que, se eu saísse de São Paulo, talvez conseguisse me reerguer."

Fracasso profissional

Ela se formou em Direito em 1995 na Unifieo, uma universidade particular em Osasco, na Grande São Paulo. Pagou o curso com seu salário de secretária, com a "dureza de gente pobre", nas palavras dela. Em seguida, conseguiu seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com a inscrição 139416, número que ela cita de cor dez anos depois de ter abandonado a carreira.

Mas ela não conseguiu. O dinheiro acabou, o aluguel acumulou e Rosana foi viver nas ruas, onde ficou por sete anos.

Começou a fazer faxinas para conseguir comer. "Não sobrou mais nada para mim porque a sociedade fechou todas as portas", diz.

'Morro de fome, mas pago o aluguel'

Viver nas ruas não é algo de que Rosana se orgulha - ela costuma dizer que perdeu sua cidadania quando deixou de ter um endereço fixo. "Como conseguir um emprego se você diz que tem 54 anos e não mora em lugar nenhum? As empresas têm uma cartilha de desculpas para não te contratar."

Foi por isso que ela criou a placa com o anúncio. Com ela, elimina-se qualquer questionamento sobre seu histórico - Rosana torna-se apenas mais uma pessoa em busca de trabalho.

Ela cobra R$ 60 por sete horas de limpeza - um preço baixo no centro expandido de São Paulo. O piso mensal dos trabalhadores domésticos na cidade é de R$ 1.140 por três dias de trabalho semanais, segundo o sindicato da categoria.

Rosana precisa fazer ao menos dez faxinas por mês para conseguir pagar o aluguel de um quartinho com cama, fogão e geladeira. Tem meses que não consegue - seu irmão costuma ajudá-la. "Eu morro de fome, mas pago o aluguel. Não volto para a rua de jeito nenhum", diz.

Esse medo se justifica: ela conta já ter enfrentado episódios de assédio e tentativas de estupro - uma vez, por exemplo, um homem invadiu a barraca onde dormia com uma arma, conta.

"Na rua, o homem te enxerga como propriedade", afirma. "Ele diz: 'Como assim você está nessa situação e não quer nada comigo?' Cara, porque ninguém entende quando uma mulher decide viver sozinha?"

Outra dificuldade é escapar de uma rotina de violências e dependência de drogas vivida por parte de outras pessoas na mesma situação.

Voltar para o Direito

O maior sonho de Rosana é voltar a trabalhar como advogada. Mas ela está "suspensa" da OAB-SP porque deve dez anos de anuidade - cada ano custa R$ 997,30, dinheiro que a advogada não tem.

"Preciso de uma oportunidade de trabalho, apenas isso", diz, na calçada onde segura sua placa pedindo serviços de faxina.

"É complicado: fico pensando em leis enquanto limpo privadas."

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Fonte: G1

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56 Comentários

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Por favor, o próximo que vier me falar em "meritocracia", corre o risco de levar um sopapo. A história dessa mulher é um dos tantos absurdos sociais. continuar lendo

Vai ver ela é simplesmente ruim no que fazia. Tirando o suposto assédio (falta o contraditório dos ex-empregadores aí), falta grave, talvez não tivesse aptidão para a tarefa.

Conheci gente que já "nasceu" indignada. Qualquer coisa era motivo para discussão. Até falta de café na copa causava problema. Ar condicionado quebrado? Faltava no trabalho até consertarem. Escritório fazendo marketing pra conseguir clientes? O cidadão já fazia e-mail pra OAB. Coisas assim. Era "jogando" contra o time direto.

Tem gente complicada de se lidar. Com quem a convivência se torna difícil. continuar lendo

Claro que existe meritocracia.

Eu mesmo poderia estar bem melhor se não fosse teimoso e ouvisse tios, ex-namorada, mãe, pai, namorada (nessa ordem), mas eu assumo as consequencias pelas minhas escolhas, sendo a mais notória não investir em concursos.

Quanto à matéria, compartilhei a original desta tanto no linkedin quanto no facebook na sexta com a seguinte observação:

'E ainda tem gente que questiona o porque de eu estar no grupo que defende que a computação NÃO tenha uma "guilda"'...

Sem mais. continuar lendo

A história desta senhora já virou alvo de manchetes algumas vezes aqui em Florianópolis. Em uma delas, promovida por um canal televisivo, foi questionado as razões dela estar nesta situação e porque nenhum parente vinha a seu socorro.
Posteriormente conseguiram contato com um familiar que confirmou que ela realmente tinha formação jurídica (já que se duvidava disto) e que ela possuí problemas psiquiátricos e/ou psicológicos.
Quem é da região já a viu inúmeras vezes na Av. Beira Mar (sempre no mesmo "ponto") segurando sua placa e falando sozinha.
É uma lástima qualquer ser humano estar nestas condições, mas me "corrói" ler está matéria: ela cria uma polêmica e deixa de levantar estas questões, que podem ter contribuído para sua ruína. continuar lendo

Bom, "falar sozinho" até eu falo, e o pior é que tenho descendencia italiana! continuar lendo

Viu??? Quando se investiga a opinião é fundamentada. continuar lendo

... Restou-nos o silêncio diante os fatos relatados, este é o país das adversidades continuar lendo

Bom...
Lamentável isso....
A vida na advocacia é dura, os grandes massacram os pequenos.
Só tem sucesso econômico por completo os afortunados que nascem em "berço de ouro", são os filhos de grandes advogados (sim, aqueles que também foram filhos de advogados) Mauricinhos ou Patricinhas que tiveram a oportunidade de estudar numa USP, UNESP, UFRJ, etc. que são em período integral (qual trabalhador que labora 8 horas por dia, conforme a Constituição, consegue?).
Existem "almofadinhas" netos de desembargador em SP que não perde uma ação em segundo grau. agora vem a pergunta: "será que esse multi, mega, ultra Advogado vai ter sucesso?" continuar lendo

Dá licença, mas não é bem assim. Quem luta do lado certo pode chegar lá. Conheço muuuuitos advogados que tentam, perseverfam e conseguem ir em frente. Agora, é fácil só se lamentar e passar a responsabilidade do fracasso para terceiros... Se só "almofadinhas filhos de desembargador" tivessem sucesso, onde estaria o "famosissimo" advogado do lula???????, entre outros. Julgar exige analisar ambos os lados. Cegueira proposital é crime, também. continuar lendo

Bom dia Zuleica,

Em primeiro lugar dou licença sim.
Em segundo lugar eu disse que é difícil a vida para quem começa "uma corrida de 100m" uns 30 metros de desvantagem, e sim, os grandes engolem os pequenos, as fortunas (cliente) estão nos grandes escritórios sim, que passam de pais para filhos, ou estou errado?
Outra questão é o fracasso, não coloquei a culpa em ninguém e nunca disse que sou fracassado, posso ver que é uma ótima advogada pois já distorceu o que eu escrevi. kkkkkkk
Agora, quantos anos um advogado que não é filhinho de papai demora pra obter a giro financeiro em seu recém aberto escritório? E o almofadinha filho e netos de grandes advogados, desembargadores, juízes, etc., quanto tempo levam para atingirem o auge?
Ora, é só pensar um pouco.
Não estou incentivando ninguém a desistir, só venho expor que a concorrência é desumana.
E concluo pedindo permissão para mudar o décimo mandamento do advogado escrito pelo Nobre EDUARDO COUTURE:
Original: "AME A SUA PROFISSÃO. Procure considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que seu filho lhe pedir conselho sobre o futuro, considere uma honra aconselhá-lo a ser Advogado”.
Minha versão: AME A SUA PROFISSÃO. Procure considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que seu filho lhe pedir conselho sobre o futuro, considere uma honra aconselhá-lo a ser MÉDICO”.
Obrigado continuar lendo

É uma casta jurídica que se formou nesse país, à essa casta podemos acrescentar certas alterações na lei, como a reforma trabalhista, ou na jurisprudência, que encaram os danos morais como "meros dissabores", o que nos leva a concluir que advogar é uma seara tormentosa...o melhor é escolher outra profissão. continuar lendo